Um parâmetro lógico-jurídico, com base na Constituição, no Direito Penal e no Processo Penal, sobre a relação e o confronto entre:
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Indúbio pro réu
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Inversão do ônus da prova
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Prova diabólica
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Teoria dos frutos da árvore envenenada
O objetivo é estruturar uma análise coerente sobre quando cada instituto incide e até onde um exclui ou limita o outro, dentro da lógica constitucional.
1. MARCO CONSTITUCIONAL: O PONTO DE PARTIDA OBRIGATÓRIO
A Constituição Federal estabelece três pilares que condicionam toda a interpretação possível:
(1) Presunção de inocência (art. 5º, LVII)
Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado.
(2) Devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV e LV).
(3) Proibição de provas ilícitas (art. 5º, LVI).
“São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
⟹ Esses três pilares blindam o processo penal contra qualquer mecanismo que crie, na prática, uma responsabilidade objetiva ou um dever impossível de provar.
2. ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO PENAL: A REGRA GERAL
Regra (CPP + Constituição):
Assim:
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A acusação deve produzir prova suficiente, válida e lícita.
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A defesa não precisa provar a inocência.
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No máximo, produz dúvida razoável → e isso basta para absolver.
Consequência:
👉 Inversão do ônus da prova é, como regra, incompatível com o processo penal.
Ela existe de forma explícita no processo civil (CPC, art. 373, §1º), mas não pode ser importada automaticamente para o processo penal.
3. A PROVA DIABÓLICA
É chamada de “diabólica” a prova que:
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é impossível de ser produzida, ou
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exigiria um comportamento sobre-humano do acusado.
Exemplo clássico:
"Prove que você não estava em tal lugar"
ou
"Prove que nunca cometeu ato X nos últimos 10 anos".
Conexão com a Constituição
Exigir prova diabólica ao acusado → viola a presunção de inocência.
Não se pode impor à defesa um ônus impossível. Isso transformaria a presunção de inocência em presunção de culpa.
➡️ Sempre que uma situação cria “prova diabólica”, o parâmetro constitucional impede a inversão do ônus da prova.
4. INDÚBIO PRO RÉU
O indúbio pro réu é consequência lógica da presunção de inocência:
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Acusação não provou além de dúvida razoável → absolvição.
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Mesmo havendo indícios, mas não prova robusta → absolvição.
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Se existirem duas versões possíveis, e ambas são plausíveis → absolvição.
5. PROVA ILÍCITA E A TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA
A proibição constitucional de provas ilícitas (art. 5º, LVI) implica:
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Prova obtida ilicitamente → não pode ser usada.
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Provas derivadas da ilícita → também são contaminadas (art. 157, §1º, CPP).
Efeito sistêmico:
Se a acusação depende de prova ilícita (ou derivada), ela perde o suporte probatório necessário.
Assim, a exclusão da prova ilícita e o indúbio pro réu atuam conjuntamente.
6. CONFRONTO ENTRE OS INSTITUTOS
(a) Inversão do ônus da prova X Presunção de Inocência
No sistema penal, a inversão do ônus da prova só seria possível em hipóteses muito excepcionalíssimas, e sempre sem violar a impossibilidade da prova diabólica.
Ex.:
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Crimes de ação penal privada → defesa revela fatos justificadores (excludentes), mas não assume o ônus integral da prova.
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Excludentes de ilicitude: a defesa deve apenas indicar plausibilidade, não prova cabal.
Portanto:
Inversão verdadeira do ônus da prova = proibida no processo penal.
(b) Prova Diabólica X Ônus da Prova
Se a acusação exige da defesa uma prova impossível → automaticamente a exigência é inválida.
(c) Provas ilícitas X Dúvida
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mais dúvida,
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ausência de prova,
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indícios insuficientes.
Isso ativa indúbio pro réu.
7. PARÂMETRO CONSOLIDADO
(1) O ônus da prova recai sempre sobre a acusação.
(2) Qualquer tentativa de inverter o ônus da prova é inconstitucional no processo penal, salvo hipóteses muito restritas e nunca exigindo prova impossível.
(3) Sempre que a exigência de prova gerar “prova diabólica”, a exigência é nula.
(4) Provas ilícitas e suas derivadas devem ser excluídas (árvore envenenada).
(5) Excluída a prova ilícita ou não havendo prova suficiente, aplica-se o indúbio pro réu.
(6) A dúvida sempre beneficia o réu, porque a carga probatória é da acusação.
8. CONCLUSÃO
Indúbio pro réu, proibição de prova ilícita, inversão inadmissível do ônus da prova e rejeição da prova diabólica formam um sistema coerente, todos derivando da presunção de inocência e do devido processo legal.
O parâmetro final é:
No processo penal, qualquer mecanismo que transfira, dificulte ou torne impossível o exercício da defesa afronta a presunção de inocência e deve ser neutralizado. Quando a prova da acusação é insuficiente, ilícita ou inexistente, a consequência necessária é o indúbio pro réu.